Marte em Câncer é um período difícil de recapitular em função de sua extensão. Foram, ao todo, 163 dias dentro desse signo. O primeiro momento foi de 04 de setembro até 04 de novembro de 2024, e o segundo foi de 06 de janeiro a 18 de abril de 2025. Nesse meio tempo tivemos 4 Eclipses, pelo menos duas retrogradações de Mercúrio, uma retrogradação de Vênus, Júpiter e Saturno, Plutão e Netuno trocando de signos.
Em uma tentativa de trazer entendimento para o tema: Marte está em queda em Câncer, ao mesmo tempo que tem alguma dignidade em função de ser regente de triplicidade do signo. A regência de triplicidade acontece por Marte ser do secto noturno, o que lhe garante alguma dignidade em signos “femininos”, que são todos os de elemento água e terra. Outra questão importante é olhar para os regentes de Câncer: a Lua, por domicílio, e Júpiter, por exaltação. Um dos motivos para esse trânsito ter sido desafiador é em função da Lua ser o astro mais volátil, trocando de signo rapidamente. Podemos pensar que o posicionamento de Marte em Câncer precisa de maleabilidade e muito jogo de cintura para lidar com as mudanças repentinas que podem acontecer.
No entanto, acredito que há o que tirar de bom desse trânsito. Os desafios trazidos por esse momento quase todos tinham como pano de fundo duas questões principais: a ideia de “viver em segurança” dentro do que é considerado “familiar”, e como lutar para garantir um espaço seguro dentro do que é considerado “nosso”. A questão de relacionar “família” ao signo de Câncer pode ser complicado porque a associação não é literal. Um exemplo: pessoas que tem Câncer na casa 09 podem identificar o exterior, um país diferente do seu de origem, como a sua “casa”; no mesmo posicionamento, espaços como a universidade ou casas e instituições religiosas ou locais de fé podem também ter o sentido de familiaridade. “Família”, “casa” ou “lar” pode ser entendido na sua expressão mais simples de “ah, aqui é o meu lugar”. Na prática, algumas pessoas tiveram que lidar com a exposição de que o lugar considerado seguro ou a relação considerada “família” escondia segredos ruins, que acabou terminando relações. É duro acordar para a realidade de que o espaço da “família” é tóxico. Era o momento de despertar, onde através da dor se descobre um novo caminho de crescimento e uma nova liberdade.
É sabido que um dos grandes dilemas do signo de Câncer é romper com qualquer coisa que representa alguma familiaridade cotidiana. Para muitos, a percepção da relação tóxica não é o suficiente para fazer com que a pessoa busque relações mais saudáveis. Muito pelo contrário. Antes de mudar, Câncer vai criar todas as narrativas necessárias para amenizar o problema em questão. “Não é bem assim”, “fulano pode mudar”, “isso é só uma fase”, “eu sou muito sensível”, “eu estou exagerando”, etc., pensamentos comuns dentro do tema da casa em que fica o signo de Câncer no nosso mapa. É talvez por isso que Marte tenha alguma dignidade no signo: a Lua (a dona da Casa de Câncer), às vezes precisa aprender a brigar como um guerreiro espartano.
A parte positiva desse trânsito veio por meio de algum incomodo ou dor. E para os mais felizes, a dor ensina a mexer, a andar, a mudar, a buscar uma “casa” melhor. Dentre os Eclipses que ocorreram nesse meio tempo, dois deles foram em signos em que Vênus é regente (Libra e Peixes em outubro de 2024)1, e o último Eclipse Solar no signo de Áries, casa diurna de Marte. Amor, desejo, relação estavam entre os temas que, querendo ou não, faziam parte dessa temporada. Onde Câncer parecia querer manter algo conhecido, todos os outros eventos astrológicos apontavam para a mudança. É também necessário lembrar que nesse período, logo antes de Marte entrar em Leão pela primeira vez em novembro de 2024, ele fez a última oposição com Plutão em Capricórnio, porque Plutão iria mudar em definitivo de signo ainda naquele mês. Finalizações e um processo de transição coletiva são os temas dos anos de 2024 até 2026, em função das mudanças dos planetas geracionais2.
Existe um forte componente comunicacional para esse trânsito de Marte em Câncer, considerando que Júpiter, o regente de exaltação do signo, estava em Gêmeos. Por isso houve exposição de fatos através das falas, escritas, comunicação, e não apenas intuição. Também é um dos motivos pelos quais esse período foi de certo exagero, em que formas de comunicação tiveram um grande impacto, com alto poder de alteração da realidade concreta com atitudes que pareciam ser simples e corriqueiras. Além da comunicação compartilhada, há ainda a comunicação interna, a nossa forma de pensar e o que falamos para nós mesmos na intimidade máxima do nosso cérebro. Nesse ponto, algumas pessoas passaram por momentos complicados em questões de saúde mental. A cabeça fazendo hora extra na hora de pensar, divagar, sonhar ou sofrer. Mas se houve acompanhamento com profissionais da área da saúde mental, combinados com a vontade de amadurecimento individual e uma dose de auto cuidado necessário para desligar o crítico interno, esse momento pode ser de salto qualitativo da saúde da vida. Um bom processo de autoanálise leva sim a processos de reconhecimento, dor e sofrimento. Por isso, o processo terapêutico tem que ser feito com calma e acompanhamento, porque abrir os olhos depois de muito tempo sem ver a luz é um processo de cegamento. Não é a toa que o filósofo da Caverna de Platão fica cego ao encontrar a Luz do Conhecimento fora da Caverna. Também não é a toa que ele foi assassinado ao tentar libertar os outros de suas respectivas prisões dentro da caverna.
Crescer é difícil, mas Marte nos deu aí uma dose cavalar dessa dificuldade. Essa intensidade toda é um mal necessário para Câncer quebrar a própria casca e criar uma nova casa. Mas não há signo mais potente no zodíaco dentro da capacidade de recriação. O ponto de Câncer no seu mapa é o arquétipo da mulher que foi destruída pela família, pelo ex-marido, pelos antigos amigos e o antigo trabalho, some por um tempo, e quando retorna é a mulher mais bela e segura do rolê, em que todos, inclusive aqueles que fizeram mal para ela, olham com profunda admiração. É triste ter que dizer e pior ainda ter que passar por isso. Mas a destruição simbólica do nosso corpo é também a possibilidade da reconstrução. Sem demolir a estrutura anterior, não há como a nova aparecer. Por isso é importante deixar a casa velha para trás. Mesmo que a gente ainda guarde sentimentos por aquele espaço, lugar ou aquela pessoa. Tente caminhar agora para frente. O futuro é bem mais doce se a gente abandona as ruínas de um império decadente.
[Em tempo: não retorne para a Caverna para tentar libertar as outras pessoas de suas prisões de escuridão. Todo mundo tem o seu próprio processo e tempo de descoberta. E, sim, existem pessoas que irão ficar para sempre presas na caverna. Essa é a potência, qualidade e o horror da vida. Lembre-se que quando você tenta libertar os outros dessa escuridão, você retorna para a sua prisão pessoal. A vida é difícil mesmo, mas salvar a si mesmo traz a maior ajuda que você pode dar para o outro: o Exemplo.]
Notas:
1. Em 17 de setembro de 2024, houve um Eclipse Parcial Lunar em Peixes, signo de exaltação de Vênus; e em 02 de outubro de 2024 houve o último Eclipse Solar em Libra, signo de domicílio diurno de Vênus.
2.Acho que no meu texto disponível aqui sobre Netuno em Áries já fala um pouco sobre isso: em 2024 Plutão trocou definitivamente de signo; em 2026, Netuno se mantém em Áries e realiza a sua conjunção exata com Saturno em fevereiro daquele ano, marcando aí um importante momento coletivo já que essa conjunção acontece de maneira inédita no grau 0 de Áries; ainda em 2026 Urano me muda para Gêmeos.